A anatomia e as técnicas de preparação do século XVII

 

O conceito de anatomia no século XVII modificara-se muito em relação aos séculos anteriores. A anatomia pré-século XVII consistia em uma atividade essencialmente descritiva e sem direta correlação com a fisiologia do corpo, tanto é que a dissecação de macacos era comum e as conclusões tiradas eram extrapoladas para o homem. No século XVII, a anatomia passou a ser entendida como uma ciência que reduzia os organismos às suas partículas essenciais: os órgãos. Com esta visão foi possível conhecer a fisiologia do corpo como um todo através de suas peças primordiais. Este novo tipo de anatomia ganhou vulto principalmente na Holanda, onde o desenvolvimento econômico permitia o investimento em ciência.

            Com a nova anatomia, os órgãos examinados deveriam guardar as mesmas características de quando localizados in vivo e esta necessidade exigia a preparação das estruturas, ou seja formas de conservação dos órgãos fora do corpo. Os métodos utilizados para esta preparação foram inicialmente desenvolvidos por Leonardo da Vinci e Berengário di Carpi.

            Anteriormente aos métodos de preparação de órgãos para exame, era comum a vivissecção de animais para uma investigação mais realística das estruturas. Porém, esta prática não obteve grande difusão devido à dificuldade de manter o animal vivo durante a operação estreitando, assim, o tempo de observação.

            Os métodos vigentes em épocas anteriores para preparação de órgãos eram deficientes na medida em que alteravam as estruturas microscópicas e davam margem a conclusões erradas sobre o funcionamento das mesmas. Estas alterações foram evidenciadas com o advento do microscópio, mostrando a necessidade de desenvolvimento de novos métodos de preparação de órgãos.

            O novo método que se difundiu entre os anatomistas da época consistia em injetar cera liquefeita nos órgãos de um determinado modo que permitia o “inchaço” do mesmo. Acreditava-se que os órgãos, com a morte, “esvaziavam-se” e sofriam as alterações observadas. Obviamente, não se conhecia a natureza da putrefação. Com o “inchaço” do órgão as alterações seriam evitadas. Somente mais tarde, percebeu-se a necessidade de se combinar este processo com a imersão em álcool para conservação dos órgãos, porém, ainda não se entendia o efeito da imersão em álcool no processo. Nesta atividade, envolvendo agentes químicos conservantes, destacou-se Frederic Ruysch.

            O novo método de preparação de órgãos permitiu um grande desenvolvimento da anatomia, pois, apesar das deficiências, era possível manter o órgão um pouco mais próximo de sua aparência dentro do conjunto orgânico. A partir dos novos conhecimentos obtidos com as injeções de cera líquida e imersão em álcool, a fisiologia ganhou espaço para desenvolvimento com rigor científico.

 

 Referência: “Enciclopédia Medicina e Saúde”, Volume Histórico, Editora Abril Cultural, São Paulo, 1968.