Este texto relata um episódio da ciência, no qual a afetividade impulsionou uma atividade científica, normalmente estigmatizada como algo frio e impessoal. Tentaremos mostrar que os cientistas, acima de tudo, são seres humanos comuns e que o verdadeiro gênio está em aplicar as capacidades intelectuais para construir um mundo melhor. Se isto não ocorre, não é ciência, é apenas vaidade.
William
Halsted é o médico protagonista deste episódio. Viveu na primeira metade do
século XVIII, quando a cirurgia começava a trilhar seu rumo como técnica
segura. Nesta época, Joseph Lister propôs a utilização do fenol (ácido carbólico, como era designado
na época) para esterilizar instrumentos cirúrgicos, o que representou um dos
grandes marcos da medicina. O problema era o dano causado à pele pelo fenol que
atacava de tal modo a epiderme que se formavam fissuras capazes de abrigar
bactérias e comprometer a assepsia
em uma cirurgia, afinal, não se usavam luvas esterilizadas naquela época. As
mãos eram mergulhadas em soluções fenólicas antes das atividades cirúrgicas,
assim como os instrumentos e outros utensílios que fossem utilizados na
operação.
A enfermeira
Carolina Hampton, que assessorava Halsted, possuía mãos muito finas e o fenol
já começava a atacá-las. Prosseguindo o ritmo de trabalho, a enfermeira
acabaria tendo que desistir da profissão, o que significaria o retorno de
Carolina para sua terra natal, abandonando Halsted. Era notável o amor que este
cientista nutria por sua ajudante, porém, nunca lhe havia dito qualquer palavra
que indicasse isto. Diante da possibilidade de perder o grande amor de sua
vida, Halsted teve seu talento inventivo estimulado e pensou em uma luva de
borracha muito fina que protegesse as mãos do operador e mantivesse as
condições de assepsia. Encomendou pessoalmente à Goodyear Rubber Company uma
borracha especial que não comprometesse a liberdade dos movimentos, criando
assim as luvas cirúrgicas.
Sua invenção
espalhou-se rapidamente e a enfermeira Carolina teve suas mãos finalmente
protegidas, não precisando abandonar a profissão nem Halsted. Alguns meses
depois, o amor do médico foi correspondido e Carolina tornou-se a senhora
Halsted. O episódio, depois de relatado pelo próprio médico, ficou conhecido
como as “luvas do amor”.
Referência:
“O século dos cirurgiões”, Jurdgen Thorwald, 1a edição, Editora Hemus, São Paulo, 1977.